Microbiota intestinal e envelhecimento saudável

Microbiota intestinal e envelhecimento saudável

Os estudos comprovam, cada vez mais, que a população que compõe a microbiota intestinal humana é fundamental para a imunidade e a saúde de forma geral.

A professora doutora Ana Maria Caetano Faria, docente do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que esse ambiente formado desde o nascimento e composto por trilhões de microrganismos é uma espécie de impressão digital que se mantém ao longo da vida, mas é fortemente influenciado por fatores como alimentação, uso de antibióticos e hábitos higiênicos e culturais.

Como os microrganismos intestinais desempenham muitas funções importantes para o corpo, a questão fundamental para a saúde é manter uma composição microbiana compatível com essas funções evitando, assim, a disbiose intestinal – desequilíbrio que ocorre quando microrganismos importantes em determinadas funções são substituídos por espécies com papel mais inflamatório e mais patogênico, e que é verificado com certa frequência nas doenças inflamatórias intestinais.



A microbiota intestinal muda com o passar dos anos e pode interferir na saúde e na doença. Em qual momento da vida é preciso começar a dar mais atenção ao ambiente intestinal?

Na verdade, é importante dar atenção à microbiota em todos os momentos da vida, exatamente porque ela sofre algumas alterações e, muitas vezes, essas alterações podem levar a um quadro de desequilíbrio chamado de disbiose.

A microbiota intestinal é composta de um conjunto de microrganismos incluindo bactérias (que são as mais abundantes), vírus, fungos e protozoários, se estabelece no início da vida, logo após o nascimento e, a partir do momento em que a comunidade de microrganismos coloniza e se estabelece no intestino, sua composição é muito duradoura.

A microbiota seria, então, uma espécie de impressão digital de cada pessoa, formada a partir de influências importantes nesse período da vida: fatores genéticos, a microbiota da mãe, tipo de parto, amamentação, uso ou não de antibióticos, ou seja, a microbiota tem grande influência materna e do ambiente em que o bebê é criado.

Vários fatores ligados ao estilo de vida, tais como a alimentação, o uso de antibióticos, hábitos higiênicos e culturais podem influenciar ou mudar a microbiota ao longo da vida, mas ela tende a manter os principais microrganismos da colonização original quando cessam essas influências desestabilizadoras (interrupção do uso de antibióticos, por exemplo).


O que ocorre na microbiota com o passar dos anos?

A microbiota muda ao longo da vida se adaptando às necessidades dos indivíduos na vida adulta e depois, na idade mais avançada, apresenta outras mudanças. Os vários estudos em idosos octogenários, nonagenários e centenários mostram que o envelhecimento se acompanha de uma perda da diversidade da microbiota intestinal – que é bastante diversificada em adultos saudáveis.

Trabalhos indicam que até os 70 anos de idade a composição da microbiota muda pouco e que existe uma microbiota ‘bem especial’ nos centenários saudáveis. Dados de um estudo da Sardenha, na Itália, com 3 mil voluntários, confirmam que os centenários e supercentenários (mais de 100 anos) têm uma microbiota intestinal diferenciada e que a perda da diversidade com o envelhecimento não significa, necessariamente, o desenvolvimento de um perfil patológico.

Centenários saudáveis mostram dois aspectos interessantes em relação ao que podemos considerar um padrão de saúde no envelhecimento: primeiro, apresentam fatores que compensam os defeitos inerentes ao envelhecimento do sistema imune como o surgimento de uma inflamação crônica de baixo grau, chamada de inflammaging, que pode levar a doenças degenerativas crônicas.

Em segundo lugar, apesar de apresentarem uma microbiota menos diversificada em termos de espécies bacterianas comumente associadas a atividades benéficas e anti-inflamatórias em adultos saudáveis, têm um aumento na abundância de outras bactérias com o passar dos anos, como Lactobacillus, por exemplo, que são benéficas e servem de proteção contra essas alterações microbianas.

Assim, embora a composição da microbiota dos idosos e centenários saudáveis varie, a atividade metabólica das bactérias intestinais consegue ser preservada, que é o que importa. Os centenários saudáveis conseguem, assim, manter parte da atividade microbiana tão importante para a saúde.

Esses resultados são interessantes porque mostram que não há uma bactéria somente que seja responsável por todos esses benefícios e, dependendo do país, dos hábitos alimentares e do estilo de vida, diferentes espécies podem ser consideradas importantes porque desempenham as mesmas funções em contextos distintos.


Quanto o estilo de vida interfere no intestino e qual é a importância dos alimentos para a microbiota mais saudável?

Alguns aspectos do estilo de vida podem interferir de forma decisiva na composição e na função da microbiota intestinal. A alimentação é um dos fatores mais importantes para evitar a disbiose.

Alimentos in natura (não processados) e ricos em fibra são excelentes exemplos de fatores benéficos. Esses alimentos promovem o enriquecimento da microbiota por bactérias capazes de degradar essas fibras em metabólitos – chamados de ácidos graxos de cadeia curta (como acetato, propionato e butirato) – que desempenham funções anti-inflamatórias no intestino e no corpo em geral.

Algumas bactérias da microbiota também são capazes de produzir ácidos biliares secundários a partir dos sais secretados na bile e esses ácidos têm ação protetora contra patógenos intestinais, estimulam a produção de muco, melhoram a tolerância à glicose e protegem a mucosa colônica do surgimento de pólipos e tumores.

O consumo de frutas, verduras, cereais (como quinoa, aveia, arroz integral) e leguminosas auxilia a atividade dessas bactérias benéficas, assim como um aporte adequado de líquidos ao longo do dia.


O que caracteriza a disbiose intestinal e por que é preciso evitá-la?

Como os microrganismos que compõem a microbiota intestinal desempenham muitas funções importantes para o corpo – produzem vitaminas, auxiliam na digestão de fibras, protegem contra a colonização por microrganismos patogênicos, protegem a barreira intestinal, influenciam as funções protetoras do sistema imune –, a questão mais importante para a saúde é manter uma composição dessa microbiota que seja compatível com essas funções.

Não existe uma composição ideal quando falamos das mais de mil espécies de bactérias presentes na microbiota intestinal humana, embora os filos Firmicutes e Bacteroidetes sejam os predominantes em uma pessoa saudável. Há várias espécies que compõem esses filos e algumas têm funções semelhantes.

Assim, chamamos de disbiose o desequilíbrio da microbiota, quando microrganismos importantes nessas funções são substituídos por espécies com papel mais inflamatório e mais patogênico.

Por exemplo, indivíduos com doença de Crohn e colite ulcerativa apresentam uma abundância menor de bactérias benéficas com funções anti-inflamatórias, como Bifidobacterium longum, Eubacterium rectale, Faecalibacterium prausnitzii, Roseburia intestinalis e Akkermansia muciniphila apresentando, ao mesmo tempo, uma abundância aumentada de bactérias com capacidade de estimular a produção de mediadores inflamatórios no intestino como Ruminococcus torques, Bacteroides fragilis, Escherichia coli, Actinomyces e Veillonella.

Nessas doenças intestinais crônicas existem muitos fatores genéticos envolvidos na disbiose, mas, mesmo em indivíduos sem propensão a doenças inflamatórias, a disbiose pode se instalar por influências do estilo de vida.

A alimentação inadequada rica em gorduras saturadas, proteínas, alimentos processados e pobre em fibras é um dos fatores mais importantes na origem da disbiose, assim como estresse, sono inadequado, poucos hábitos higiênicos e uso de medicamentos, especialmente antibióticos.


Como os médicos podem desconfiar que um paciente está em disbiosea?

A disbiose pode causar vários sintomas como azia, diarreia, prisão de ventre, náuseas, gases e vômitos. Quando persiste por muito tempo, pode piorar algumas doenças para as quais as pessoas já têm suscetibilidade, como doença celíaca, síndrome do intestino irritável, obesidade e mesmo diabetes tipo 2.

Na presença de sintomas gastrointestinais que não se resolvem, é bom consultar um especialista para avaliar a possibilidade de disbiose. Existem várias opções terapêuticas para o tratamento, atualmente, incluindo o uso de probióticos, pós-bióticos e simbióticos.


A disbiose intestinal piora o quadro da doença inflamatória intestinal?

A disbiose da microbiota pode piorar o quadro inflamatório das doenças intestinais porque, como mencionei, o aumento da abundância de bactérias com funções inflamatórias (que geralmente produzem endotoxinas e estimulam as células imunes de forma inflamatória) contribui para manter o dano na mucosa do intestino e a atividade da doença.


Um intestino saudável é fundamental para a imunidade?

A saúde do intestino com a manutenção de uma microbiota balanceada é muito importante para a saúde geral. Há inúmeros estudos mostrando a influência da microbiota do intestino em vários órgãos e tecidos, seja por suas funções na proteção da integridade da mucosa do intestino impedindo a entrada de bactérias patogênicas e a propagação de toxinas, seja pela estimulação de metabólitos com funções anti-inflamatórias e tróficas, como os ácidos graxos de cadeia curta – que podem ter ação local e também se propagar pelo corpo através da circulação.

Os estudos mostram funções importantes da microbiota em doenças diversas como as próprias doenças inflamatórias intestinais, diabetes tipo 1, artrite reumatoide, asma, obesidade e até doenças neurológicas como esclerose múltipla e autismo.


Como envelhecer mais saudável?

A longevidade e o envelhecimento saudável dependem de alguns fatores genéticos que são determinantes a partir das idades mais avançadas, mas também estão fortemente associados a um estilo de vida saudável. Uma das características observadas no estudo da população de homens e mulheres supercentenários da Sardenha, por exemplo, é que, por terem vivido o pós-Segunda Guerra Mundial, fazem uso de dieta pouco obesogênica (pobre em carboidratos e carnes vermelhas), rica em vegetais da estação e em fibras. Essa população também mantém uma rotina de vida, alimentação e sono muito regulares.

Assim como está descrito na literatura, observamos nos nossos estudos no Brasil que esses fatores estão muito relacionados com a longevidade e com o perfil benéfico da microbiota. Um outro componente importante é o exercício físico moderado e regular.

É uma cadeia: estilo de vida ativo com prática de exercícios, alimentação adequada, sono de boa qualidade e rotina são aliados do desenvolvimento de uma microbiota saudável que, por sua vez, produz substâncias que auxiliam no remodelamento da inflamação – que é o fator mais importante envolvido na fragilidade de idosos e nas doenças que impedem o envelhecimento saudável.

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