Cirurgia para a doença de Crohn vai abrir a ‘Caixa de Pandora’?

Cirurgia para a doença de Crohn vai abrir a ‘Caixa de Pandora’?

Imagine um cano longo, com seis metros de comprimento, em que uma parte fica danificada. Para corrigir o problema, remove-se a seção corroída e une-se as duas peças   remanescentes do tubo não danificado novamente. Isso é essencialmente o que acontece na cirurgia em pacientes com doença de Crohn. Como parte do intestino fica inflamada e ulcerada, ou afetada com feridas e tecido cicatricial, é preciso removê-la. Normalmente, isso ocorre com a última parte do intestino delgado, chamada de íleo terminal, embora a doença de Crohn possa afetar qualquer parte do trato digestivo. Historicamente, cerca de 2/3 a 3/4 dos pacientes diagnosticados com doença de Crohn precisavam de cirurgia em algum momento de suas vidas. Mas isso não é mais o caso.

Os mitos nascem facilmente, mas morrem duramente. A realidade é que, até o advento das melhores drogas de combate ao Crohn, incluindo terapias biológicas, a doença era mais provável de ocorrer novamente – o que significa que algumas pessoas precisariam de uma segunda ou terceira cirurgia. Então, surgiu o mito de que o ato de realmente fazer uma ressecção cirúrgica, como é chamado, leva a outra cirurgia, o que não é verdade. Então, o que é verdade? É muito provável que a doença de Crohn volte ao local onde as duas extremidades saudáveis ??do intestino foram costuradas – conexão chamada de  anastomose – mas não é a cirurgia que leva à recorrência.

Muito provavelmente, isso aconteça em até 90% dos casos. Mas seria tirar conclusões precipitadas pensar que a recorrência é igual à cirurgia, pois nem sempre é tão grave que leva a problemas. Isso significa que, se um indivíduo fez uma colonoscopia e o médico analisou essa conexão, verá evidências de que a doença de Crohn voltou, mas essa recorrência pode ser leve, especialmente se a identificarmos precocemente. É importante ressaltar que a cirurgia é evitada sempre que possível e há duas maneiras principais de reduzir as chances de um paciente precisar repetir a cirurgia para o tratamento de Crohn.

Sabemos que o consumo de cigarros leva ao retorno da doença a uma taxa elevada, o que conduz à cirurgia em uma taxa alta também. Portanto, mesmo que pareça simples, parar de fumar completamente após a cirurgia faz uma enorme diferença. O segundo  caminho é utilizarmos medicamentos mais potentes, por exemplo, os biológicos como o   infliximabe, após a cirurgia, para tentar impedir o retorno do Crohn (recidiva da doença). Fizemos um grande estudo internacional sobre o medicamento e descobrimos que efetivamente diminui – não podemos dizer que cura –, mas realmente reduz a probabilidade de a doença de Crohn voltar. E isso diminui a chance de o paciente precisar novamente de cirurgia.

Por isso, não evite uma cirurgia inicial, se for necessária. Metade das pessoas com  doença de Crohn precisará de cirurgia em algum momento. Mas ninguém deveria resistir temendo a Caixa de Pandora. Não sofram com isso! Muitas vezes, o mito impede que os pacientes façam a cirurgia de que precisam. O Crohn traz muitas complicações: pessoas estão perdendo peso, crianças não estão crescendo, pacientes estão sentindo falta do trabalho ou da escola. A vida está sendo descarrilada! A atitude certa é desfazer esse mito. Vá para a cirurgia quando for recomendado. Não perca tempo e receba o tratamento médico adequado após a cirurgia. Com o cuidado adequado de um cirurgião colorretal e do gastroenterologista, os pacientes com doença de Crohn podem essencialmente retornar a uma qualidade de vida normal e poderão fazer o que quiserem.

Professor doutor Miguel Regueiro*
Departamento de Gastroenterologia e Hepatologia Cleveland Clinic Foundation Estados Unidos

*O principal interesse clínico e de pesquisa do médico Miguel Regueiro é a doença inflamatória intestinal, com foco no curso natural dessas doenças e na prevenção pós-operatória da doença de Crohn. O professor tem sido fundamental na pesquisa de métodos de prevenção da doença no pós-operatório e liderou pesquisas nacionais e internacionais neste campo. Devido ao seu trabalho, caminhos clínicos, diretrizes e algoritmos de doença de Crohn pós-operatória foram criados. O médico tem uma ampla gama de publicações sobre a prevenção e o tratamento da doença de Crohn pós-operatória e as correlações genótipo-fenótipo na DII, é o principal investigador em vários estudos multicêntricos e internacionais, e realiza pesquisas clínicas que definem o curso natural e os fenótipos da DII. 

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John Doe

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