A influência da saúde mental na DII

A influência da saúde mental na DII

Estudos indicam que a doença de Crohn induz mais riscos de ansiedade e depressão, inclusive quando comparada à retocolite ulcerativa

A metanálise ‘Prevalence of symptoms of anxiety and depression in patients with inflammatory bowel disease: a systematic review and meta-analysis’, realizada a partir de 5.544 estudos com mais de 30 mil pacientes adultos com doença inflamatória intestinal e publicada recentemente no The Lancet Gastroenterology & Hepatology, mostrou prevalência de sintomas de ansiedade e depressão em pacientes com doença inflamatória intestinal.

Nos estudos que relataram prevalência de ansiedade ou depressão em indivíduos com doença de Crohn e retocolite ulcerativa dentro da mesma população de estudo, aqueles com doença de Crohn tiveram maiores chances de sintomas desses transtornos mentais. Quando a doença está ativa, a ansiedade chega a afetar até 50% dos pacientes, e pelo menos 1/3 sofre com depressão.

A revisão também sinalizou que os pacientes com doença de Crohn têm mais chances de desenvolver ansiedade e depressão, e as mulheres com DII são mais propensas a esses sintomas em relação aos homens com as mesmas doenças. Indivíduos com DII e problemas de saúde mental também têm taxas mais altas de cirurgia, dificuldade de diagnóstico e hospitalizações, utilizam mais corticoides e sentem mais dificuldade de adaptação aos medicamentos.

Além dessa metanálise, outros estudos desenvolvidos em várias partes do mundo têm indicado maior prevalência de transtornos mentais na população com doença inflamatória intestinal. Um deles foi realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), em Minas Gerais.

O estudo prospectivo longitudinal ‘Oscilação do humor em pacientes com doença de Crohn: incidência e fatores associados’, publicado como dissertação de mestrado da psicóloga Flávia D’Agosto Vidal de Lima, envolveu 50 pacientes (60% do sexo feminino, com média de idade de 40,6 anos) com diagnóstico de doença de Crohn e acompanhados por 16 meses.

O objetivo era identificar se os distúrbios psicológicos documentados nesta população seriam transitórios ou sustentados ao longo do tempo. Os resultados mostraram elevada incidência (58%) de transtorno de humor em pacientes com a enfermidade, especialmente em mulheres. A ausência de cirurgia prévia por complicações da doença foi associada à maior incidência do problema.

O médico gastroenterologista Julio Maria Fonseca Chebli, professor doutor da Faculdade de Medicina da UFJF que orientou o estudo, conta que foi a partir da observação de casos atendidos pela equipe multidisciplinar no Centro de DII do Hospital Universitário da Instituição nos anos 2005-2006, com pacientes que apresentavam queixas muito frequentes e variadas de sintomas relacionados com ansiedade e/ou síndrome depressiva, que foi iniciada uma pesquisa formal sobre este tópico.

“Orientamos a dissertação de mestrado da psicóloga Tereza Brandi, entre 2007 e 2009, que avaliou de forma transversal a prevalência e os fatores associados à ansiedade e depressão em pacientes ambulatoriais com doença de Crohn, comparado a controles.

Resumidamente, observamos que depressão e ansiedade são condições altamente prevalentes e concomitantes nesses indivíduos, e a atividade da doença foi fortemente associada ao humor deprimido, enquanto a história familiar de depressão foi relacionada à ansiedade”, relata. A partir desses primeiros resultados, foi sugerido que a triagem para depressão e ansiedade fosse realizada rotineiramente como parte da melhoria da qualidade do atendimento em indivíduos com doença de Crohn no Hospital Universitário da UFJF.

Em outro estudo, desenvolvido pela psicóloga Flávia D’Agosto Vidal de Lima, a oscilação do humor foi praticamente bidirecional, com percentual similar de pacientes (30%) apresentando normalização dos escores psicológicos durante o acompanhamento clínico a partir do humor depressivo e/ou ansioso de base, enquanto outro grupo (28%) desenvolveu sintomas depressivos ou ansiosos a partir do humor normal.

“Por causa desses achados, parece importante que se efetue o rastreamento periódico do estado psicológico desses pacientes para se detectar possíveis mudanças no humor durante a evolução da doença, independentemente de a DII estar ou não em atividade”, sugere. O professor enfatiza que, como em qualquer afecção crônica, o controle da doença inflamatória intestinal é crucial para melhorar a condição psíquica do paciente e a qualidade de vida.


Estudo confirma maior severidade e prevalência em pacientes

A observação de que, na prática clínica, muitos pacientes com doença inflamatória intestinal fazem tratamento com psiquiatra, enquanto muitos outros que não fazem apresentam sintomas sugestivos de depressão e ansiedade, levou um grupo de pesquisadores do curso de Medicina da Universidade Anhanguera (UNIDERP), em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, a desenvolver o estudo ‘Análise comparativa da prevalência de ansiedade e depressão entre indivíduos portadores e não portadores de doença inflamatória intestinal’, publicado no Journal of Coloproctology em 2020.

O objetivo era verificar se existe uma relação causal entre DII e o surgimento de ansiedade/depressão e, para isso, os cientistas analisaram o aspecto psicológico através de dois questionários mundialmente validados ? o Questionário sobre Saúde do Paciente (PHQ-9) e o questionário de Transtorno Geral de Ansiedade (GAD-7) –, além de um questionário sociodemográfico.

A coleta envolveu três grupos, compostos por 100 indivíduos cada: pacientes ambulatoriais com diagnóstico de doenças inflamatórias intestinais; pacientes ambulatoriais sem diagnóstico de DII e indivíduos não ambulatoriais sem diagnóstico de doenças inflamatórias intestinais.

Os resultados mostraram maior severidade e prevalência de ansiedade e depressão no grupo de pacientes com doenças inflamatórias intestinais, em comparação aos demais grupos. Segundo o professor doutor Carlos Henrique Marques dos Santos, que orientou o estudo, o principal achado foi verificar que pessoas saudáveis e que praticam atividades físicas têm menos chance de desenvolver ansiedade e depressão.

“Também percebemos que ter uma doença crônica (não necessariamente DII) aumenta a chance de apresentar distúrbios psiquiátricos. Mas o ponto alto dos resultados foi comprovar essa relação da DII com ansiedade e depressão”, detalha.

O docente, que é cirurgião geral e coloproctologista e professor adjunto de cirurgia na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), acrescenta que, embora seja difícil afirmar que as DII têm um componente emocional – até porque pode gerar um estigma, como se houvesse um perfil psicológico típico de quem tem DII, o que pode não ser verdade – observa-se que, nos momentos mais difíceis da doença, como nos quadros de reagudização, as alterações psicológicas aparecem com mais força.

“O mais provável é que, ao apresentar uma doença crônica que causa muitos incômodos, exige um tratamento contínuo e pode causar limitações em vários momentos da vida, o indivíduo possa ter um quadro de ansiedade ou de depressão. Portanto, essas manifestações são, provavelmente, consequência e não causa das DII”, ressalta o médico Carlos Henrique Marques dos Santos.

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